Quando Saulo de Tarso saiu naquele dia em direção a Damasco, levando consigo as ordens do Sinédrio para prender todos os seguidores do Cristo naquela região, principalmente o líder, que tinha o nome de Ananias, jamais imaginaria que a sua romagem seria o berço da sua conversão.
Saulo ainda guardava no seu íntimo os sentimentos tortuosos de ódio e revolta que passeavam em sua mente como quadros de um filme que se repetia constantemente ao saber que mandara assassinar Estevão, seguidor do Cristo, sem a cognição que este era irmão de sua amada noiva, Abigail. Porém, o que lhe doía mais era ver nos olhos do cunhado agonizante a compaixão por ele assinaladas nas suas últimas palavras. E com o orgulho assoberbado diante de tal situação Saulo fez questão de consolar sua noiva querida com palavras duras, sinalizando que naquele momento, entre eles, estava tudo acabado.
Carregava assim, o doutor de Tarso, o coração corroído pela dor e pela crença de que algo não fazia sentido em sua vida de perseguição e morte. Não atinava a compreensão de como o seu supliciado não atirara contra ele nenhum anátema, nenhum impropério, ao invés disso, outorgou-lhe perdão.
E diante da luz que o cegara naquele deserto e do estrondo que o fez cair de joelhos, a consciência humilhada diante da voz que o alertava, se fez convertida e desarmada, verbalizada de maneira humílima em tom de submissão: “O que queres, Senhor, que eu faça?”
O arrependimento se fez genuflexo diante daquele que, doravante, seria por ele chamado de Mestre.
A cegueira física fora curada por Ananias, seu perseguido, porém a cura de sua cegueira moral tivera início naquele momento. O convertido de Tarso, de agora em diante seria chamado de Paulo, o Apóstolo dos Gentios.
Começara assim, sua jornada de dor, sofrimento, rejeição, renúncia e abnegação em veredas tortuosas de pedras e espinhos, sangue e lágrimas, mas fortalecidas no amor ao Cristo.
Carregou a sua cruz sem reclamar até os últimos momentos, terminando o glorioso Ministério Redentor e guardando a fé rediviva e inabalável.
E hoje, diante de todos os acontecimentos que a humanidade passa, onde a doença e a morte rondeiam nossa porta, será que temos coragem de dizer ao Pai Maior: “Senhor, o que queres que eu faça?”
O que queres que eu faça Senhor, diante do medo e temor que tomou a todos?
O que queres que eu faça, Senhor, diante das incertezas que tentam corroer as raízes da minha fé?
Como ser um verdadeiro Cristão, diante da dor, do sofrimento, tristeza e angustias que passam meus irmãos de marcha?
Como fechar meus olhos, perante os flagelos que ceifam vidas e dilaceram corações?
Onde encontrar ferramentas para amenizar a dor do meu próximo, sem poder abraçá-lo nem tocá-lo com as palavras do Cristo?
E assim, nesse momento de questionamentos, me vejo diante de Ti, de joelhos e olhos marejados, com o único e abençoado instrumento que possuo, deixado pelo Mestre amigo para consolo e amparo de todos: a prece.
E rememorando a prece feita pela nobre noiva de Saulo, cujos braços acalentavam o irmão agonizante e abençoado, guardando-o em seu regaço fraterno, fitando o autor com o olhar molhado pelas lágrimas pungentes em súplica amorosa ao Pai Maior, clamou:
"Senhor Deus, pai dos que choram, Dos tristes, dos oprimidos, Fortaleza dos vencidos Consolo de toda dor! Embora a miséria amarga Dos prantos de nosso erro, Deste mundo de desterro Clamamos por vosso amor! Nas aflições do caminho, Na noite mais tormentosa, Vossa fonte generosa É o bem que não secará… Sois, em tudo, a luz eterna Da alegria e da bonança, Nossa porta de esperança Que nunca se fechará. Quando tudo nos despreza No mundo da iniquidade, Quando vem a tempestade Sobre as flores da ilusão! Ó Pai, sois a luz divina, O cântico da certeza Vencendo toda aspereza, Vencendo toda aflição. No dia da nossa morte, No abandono ou no tormento, Trazei-nos o esquecimento Da sombra, da dor, do mal… Que nos últimos instantes, Sintamos a luz da vida Renovada e redimida Na paz ditosa e imortal." -o-